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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O Segundo Choro

         Os dias foram passando e nossos momentos juntos começaram a dar bons frutos. O processo de entrosamento entre nós estava se aprofundando. Pude comprovar isso em um dia especial: 24 de fevereiro de 2011. Neste dia, um representante de um curso de inglês apareceu em nossa sala (abro um parênteses aqui para deixar claro que não concordo com pessoas de fora da escola transitando em nosso meio, especialmente com propostas como a que ele fez, mas respeito a hierarquia e entendo que se ele conseguiu autorização para entrar, deveria recebê-lo bem) oferecendo um bolsa de estudos de um curso se inglês, o qual não citarei o nome por motivos óbvios. O "processo de seleção" das bolsas ficou por minha conta. "Oras" - pensei - "Como eu posso selecionar os "melhores" 5 alunos se ainda estamos nos conhecendo"? Afirmo com a maior sinceridade possível: não gosto de injustiças; naquele momento tive medo de ser injusta. Então, fiz a seguinte proposta, após explicar que tinha somente 5 bolsas para um curso de inglês e precisava escolher "os melhores alunos": os que desejarem se candidatar à vaga deveriam escrever uma redação dizendo por que deveriam ganhar a bolsa e como ela poderia mudar a vida deles. Eu leria as redações e escolheria as que tivessem os melhores argumentos. Assim que li pela primeira vez as redações, selecionei duas. Havia mais 4 vagas, pois o representante do curso também me ofereceu uma bolsa. Decidi repassá-la aos alunos, pois não possuía interesse em me matricular no tal curso. Após reler as redações, escolhi mais 3 que estavam razoáveis. Sobrava uma vaga. Dois alunos estavam desejando muito ser selecionados, mas percebi por suas redações que ainda não estavam alfabetizados por completo. Expliquei para a turma que não se deve aprender um outro idioma se não se consegue dominar sua própria língua materna. Todos, sem exceção, concordaram com minhas palavras. Um desses dois alunos tinha uma atitude em sala de aula que destoava dos demais: estava sempre pronto a ajudar, solícito, responsável, sempre buscando a ordem, mas sem autoritarismo. Isso me fez dar uma chance a ele, mas deixei bem claro para toda a turma que era um voto de confiança e que ele precisaria se dedicar muito, tanto em sala de aula quanto no curso, caso ele se matriculasse. Olhei para o outro e vi lágrimas em seus olhos. Resignado, concordando com o fato de não estar alfabetizado, mas chorando. Fui sincera e disse que não estava à vontade escolhendo os "selecionados", pedi com muita delicadeza, como estava fazendo desde o início, que não ficassem com raiva de mim. Chorei. Muito. Muitos alunos também choraram. Para minha surpresa, o aluno que selecionei lembrou de um detalhe que o representante do curso de inglês tinha dito e todos havíamos esquecido: cada bolsa dava direito a um convite, para o aluno chamar quem quisesse e essa pessoa também teria um desconto. E ofereceu seu convite ao colega. Todos aplaudiram, emocionados. Ao relembrar esse momento, ainda me pego com os olhos marejados...

O professor, especialmente da Autonomia Carioca, está sujeito a esses acontecimentos diariamente. E está sujeito a presenciar cenas de compaixão, de desapego, de companheirismo... Mas também cenas de preconceito, agressão verbal, egoísmo, falta de educação... De tudo um pouco. Mas os que ficam são os momentos de prazer e alegria em sala de aula. Inesquecíveis.


                         

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Lapso Temporal

Primeiramente peço desculpas àqueles que seguem o blog pelo grande lapso temporal entre minha última postagem e hoje. Ele se deve a princípio à uma decepção (por questões pessoais, não explicitarei aqui) e, em segundo lugar, ao último capítulo da minha história de amor.
Sim, a minha  história de amor com a 8802 teve um fim. Infelizmente.
O motivo do término do nosso relacionamento será revelado na minha última postagem aqui. Seguirei em janeiro, aproveitando as férias, postando a cada dia um pouquinho do cotidiano da minha 8802 na ordem temporal, pois acho que assim o leitor conseguirá acompanhar melhor.
Aproveitarei esta postagem "intimista" para prestigiar os meus meninos. Em 2011 estivemos concorrendo ao Troféu RioEduca e chegamos a ser finalistas (deixarei os detalhes para uma outra postagem) com o seguinte vídeo:


Tivemos vários momentos maravilhosos juntos; dois deles foram sensivelmente reportados pela Professora Imaculada Conceição (representante da 6a. CRE no portal RioEduca - quer conhecê-lo? O link está aí ao lado), como se pode ser lido em:



Agora estamos concorrendo ao Desafio Rioeduca, cujo resultado sairá no dia 1o. de fevereiro. Este novo desafio é na verdade um compartilhamento de experiências dos Professores da Rede Municipal da Cidade do Rio de Janeiro. Os textos mais comentados, que estão sendo veiculados no site do Jornal O Globo, estarão entre os finalistas. Gostaria muito de dar este prêmio aos meus meninos. Mostrar a eles que nosso trabalho, nosso esforço, nossa dedicação, valeram a pena. E você pode nos ajudar, deixando seu comentário ao final do texto do link:

8802 no "Educação Nota 10" - Jornal O Globo - Autonomia Carioca: a semente da criatividade

Outro texto que está concorrendo ao Desafio RioEduca é o de uma querida amiga e extremamente competente professora: Luciana Lima. Também peço sua ajuda, deixando seu comentário no link:


Espero que entendam e que, a partir de agora, possamos continuar juntos conhecendo como foi a minha caminhada junto com a turma 8802 da E.M. Levy Miranda. 

Um bju no coração de todos!

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O Primeiro Estresse... De Muitos!

          Foi em uma terça-feira, daquelas que a gente quer cortar do calendário, após passar a manhã inteira planejando (temos a maioria das quartas-feiras livres para planejamento, mas esse quantitativo de horas não chega a ser nem metade do que necessito). Percebo logo no início da aula que a turma está diferente: agitada, um brigando com o outro, recusando as atividades propostas... A primeira atividade até que foi razoável; na segunda, o caos se instalou: interrompi tudo, solicitei que abrissem o caderno e copiassem nosso Pacto de Convivência. Para cada item, eles fizeram uma auto avaliação oral, exercício que os fez refletir sobre suas atitudes. Conversei sobre a importância do bom relacionamento com os colegas, mas havia algo que estava me incomodando muito ali e tinha quase a certeza de que era isso a razão do caos: tínhamos um grupo de alunos analfabetos e outro grupo de analfabetos funcionais. Alunos com essas dificuldades não poderiam continuar no Projeto Autonomia Carioca, pois não conseguiriam acompanhar as aulas. Seria injusto com esses meninos mantê-los em uma classe de aceleração, sendo que a característica fundamental – estar alfabetizado – eles não possuíam plenamente, o que justificava um aluno disperso e agitado(r) naquele momento. E, como não sou alfabetizadora, não poderia ajudar nessa tarefa. Que atitude tomar? Sinalizei à Direção da escola e pedi o auxílio do Coordenador Pedagógico, que ficou de me dar uma resposta em poucos dias. Saí da escola neste dia rouca, chateada e mentalmente exausta. Foi o começo dos dias nublados.



domingo, 4 de setembro de 2011

A Avaliação Diagnóstica de Matemática

               Antes de começarmos qualquer matéria, a a Fundação Roberto Marinho aplica uma avaliação diagnóstica de Matemática e outra de Português. No dia planejado para a aplicação da avaliação de Matemática, houve tiroteio nas proximidades (estamos localizados perto da comunidade do Chapadão, que há uns 2 anos vem sofrendo com constantes tiroteios). Havia pouquíssimos alunos - sinceramente não entendo como uma mãe ou um pai manda seu filho para a escola sob um forte tiroteio... O planejamento foi mudado e a avaliação foi adiada para a próxima aula. Neste dia, os alunos ficaram nervosos quando falei "avaliação". Expliquei a eles que essa avaliação seria um parâmetro para sabermos o que eles sabem atualmente e confrontar o resultado com uma nova avaliação daqui a algum tempo. Seria também uma forma de avaliar meu trabalho, se estou atingindo os objetivos propostos. A tensão sumiu, ficaram mais relaxados. Era uma avaliação que considerei muito fácil, com questões simples. Achei que eles "tirariam de letra". Mas... (quando chega a hora do "mas...", sempre tem um probleminha) para meu espanto, a média da turma foi 2,0. "- Como assim, 2,0?" - eu me perguntava. Decidi corrigir a avaliação junto com eles, para que vissem onde estavam errando. Eles mesmos, ao final da correção, disseram que erraram coisas bobas e que, se tivessem prestado mais atenção, teriam tido um resultado melhor. Percebi que teria muita dificuldade em trabalhar o raciocínio lógico dos meus meninos. Mas sabe de uma coisa? Fui muito bem explicando Matemática! :)

sábado, 3 de setembro de 2011

O Pacto de Convivência

               Logo na primeira semana me tornei a "cri-cri" da Autonomia. Quero dar aulas usando o datashow, pois acho que a aula assim apresentada chama muito mais a atenção dos alunos. O problema é que o datashow fica no auditório da escola, que é lindo! Lógico que a Diretora fica receosa em liberar o auditório para uma turma de projeto. Entendo perfeitamente: ela nunca me viu fora da quadra dando aulas. Deve ter se questionado se eu conseguiria segurar meus meninos. Preparei uma apresentação em PowerPoint para passar para eles, mas não consegui. A escola tem vários aparelhos de datashow para usarmos quando a Educopédia for instalada, mas eles não seriam abertos antes da hora. A partir daí a Diana começa a ser "cri-cri". Muito complicado ter a tecnologia a seu alcance, mas não poder usá-la... A história do "gostaria de usar o auditório" ainda terá vários capítulos. :)
               Construímos nosso Pacto de Convivência, que é o conjunto de regras que todos, inclusive a professora, devem seguir dentro da sala de aula e também nos outros ambientes da escola. A participação coletiva criou as seguintes normas:

PACTO DE CONVIVÊNCIA

  •     Respeitar a Professora e as Diretoras da Escola.
  •    Não ficar de “saliência” com as meninas.
  •   Ser educado com o colega: dizer “por favor”, “obrigado”, “com licença”, “desculpe”, etc.
  •   Não fazer bagunça na sala de aula.
  •   Fazer a higiene pessoal antes das aulas.
  •   Estudar para fazer as provas.
  •   Não chegar atrasado e vir uniformizado.
  •   Não xingar e nem colocar apelidos nos colegas.
  •   Usar roupas decentes nas aulas de Educação Física.
  •  Não usar telefone celular na sala de aula – a Professora pode atender se for da Creche de seu filho.
  •   Manter a sala limpa: não jogar lixo no chão, não pichar, não escrever na mesa, etc.
  •   Não ficar de vandalismo na Escola.
  •  Tirar um tempo no final da aula para conversar e desenhar, caso a turma fique quieta (se sobrar tempo).
  •   Não brigar na Escola e nem na rua.
  •  Evitar faltas às aulas. E avisar com antecedência se souber que precisará faltar.
  •   Comprometer-se a cumprir o Pacto de Convivência.

               Um fato interessante foi que o "não ficar de saliência com as meninas" foi sugerido pelos próprios meninos. Adorei! Noto que a união já começa a nascer desse grupo.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O Primeiro Choro

                Foi logo na primeira aula. Pelo o que vejo nas reuniões da aceleração, os alunos de projetos são um tanto quanto hostilizados pelos alunos regulares e até mesmo por alguns membros do Corpo Docente e da Direção da escolas. Quase sem exceções. Entendo que muitos são alunos da escola há 2, 3 anos... E continuam no 6o. ano... Entendo que alguns já fizeram muita besteira, já atrapalharam as aulas de muitos professores e deram bastante trabalho para a Direção. Mas isso não significa que eles não possam mudar - talvez eles não se encaixem no perfil da escola tradicional e uma metodologia nova faça com que eles se tornem novos alunos: conscientes, responsáveis, estudiosos... É com esse pensamento que entro em sala de aula. Tenho 28 alunos; destes, conheço 3: Psi, Omicron e Gama. Nunca me deram trabalho nas aulas de Educação Física, mas já ouvi muito falar do que são capazes na sala dos professores... Ksi também me é conhecida; porém, nunca fui professora dela - ela "matava" aula em 2010 e se infiltrava entre os alunos de Educação Física. Ksi tem fama de "barraqueira", arruma confusão por qualquer coisa. Fiquei receosa, confesso. Mas abri o coração e "entrei de cabeça" no nosso Período de Integração (15 dias de atividades quebra-gelo, dinâmicas de grupo, avaliação e diagnóstico da turma). Fizemos uma dinâmica onde havia duas caixas: uma bonita e uma feia. Os alunos escreveram em um papel uma característica boa e em outro, algo ruim sobre eles, mas dessa vez anonimamente. Li em voz alta as características boas e disse que a partir daquele momento, as coisas da caixa feia ficariam ali trancadas. Joguei a caixa fora. Um lindo simbolismo. Ao final da aula, cada um recebeu uma estrela de cinco pontas, onde deveriam escrever seus nomes e responder a algumas perguntas, tais como: "O que espero?", "O que ofereço?", "Meu medo é...". Ao final, fizemos um mural com as nossas estrelas. Era de fundo azul, assim como o céu o é. Após todos colarem suas estrelas, eu fixei um cartaz onde se lia: "O céu é o nosso limite". Ao mostrar a eles o trabalho pronto, disse que eles seriam as estrelas da nossa sala de aula e que em nenhum momento eles deveriam se sentir menosprezados por serem "de projeto". Foi aí. Chorei. A reação deles? Surpresa. Não estavam acostumados com sensibilidade: vivem uma vida dura e sofrida. Fiquei com vergonha, mas essa sou eu; se eu for ficar com eles por dois anos, durante quatro horas por dia, vão me ver chorar muito ainda!

Ao final da aula, fui questionada:
"- Professora, porque a senhora é boa?"
"- Lá vem bomba!" - pensei. E perguntei:
"- Boa? Como assim?"
A resposta?
"- Você é a melhor professora que eu já tive..."
E ele vira as costas, me deixando sem palavras e com lágrimas nos olhos.



quinta-feira, 1 de setembro de 2011

(Re)Conhecendo os Alunos

               A Semana de Capacitação passou bem rapidamente. Com tantas informações, tantas dinâmicas e tanta expectativa para conhecer minha turma, tudo ficou mais leve e fluiu de uma maneira bem tranquila. Durante o final de semana, a ansiedade cresceu, na mesma medida em que o medo de fracassar também tentava me dominar. Segunda-feira finalmente chegou e, quando pergunto na escola qual seria a minha turma, a resposta me agonia ainda mais: "- Depois que todos os alunos subirem, vão restar somente os do projeto; daí, a gente separa as turmas". Mas as duas turmas de aceleração 2 já estavam separadas; o que faltava era decidir qual seria a professora de cada uma delas: Natasha ou eu. A diretora faz a chamada oral de uma das turmas. Vejo algumas carinhas conhecidas. "- Será que é essa, será que é essa?" - eu perguntava a mim mesma. Quando chega na letra V, ela diz: "- Esses alunos serão da professora Diana". Medo. Alegria. Ansiedade. Tensão. "- Preciso conquistar esses meninos hoje", eu pensava. Começamos aí nosso Período de Integração.

Nota: para evitar expor os alunos, decidi trocar seus nomes por letras do alfabeto grego. Sendo assim, meus alunos são: Alfa, Beta, Gama, Delta, Épsilon, Dzeta, Eta, Iota, Capa, Lâmbda, Mi, Ni, Ksi, Omicron, Pi, Rho, Sigma, Tau, Upsilon, Phi, Khi, Psi e Ômega. Não seguirei a ordem alfabética; fiz a correlação aleatoriamente. Deixei a letra Teta de lado, pois atualmente só tenho 23 alunos e o alfabeto é composto de 24 letras. No início havia mais alguns alunos que tiveram que nos deixar (posteriormente direi o motivo); esses identificarei pelas iniciais do nome, caso venha a me referir a algum deles.