Os dias foram passando e nossos momentos juntos começaram a dar bons frutos. O processo de entrosamento entre nós estava se aprofundando. Pude comprovar isso em um dia especial: 24 de fevereiro de 2011. Neste dia, um representante de um curso de inglês apareceu em nossa sala (abro um parênteses aqui para deixar claro que não concordo com pessoas de fora da escola transitando em nosso meio, especialmente com propostas como a que ele fez, mas respeito a hierarquia e entendo que se ele conseguiu autorização para entrar, deveria recebê-lo bem) oferecendo um bolsa de estudos de um curso se inglês, o qual não citarei o nome por motivos óbvios. O "processo de seleção" das bolsas ficou por minha conta. "Oras" - pensei - "Como eu posso selecionar os "melhores" 5 alunos se ainda estamos nos conhecendo"? Afirmo com a maior sinceridade possível: não gosto de injustiças; naquele momento tive medo de ser injusta. Então, fiz a seguinte proposta, após explicar que tinha somente 5 bolsas para um curso de inglês e precisava escolher "os melhores alunos": os que desejarem se candidatar à vaga deveriam escrever uma redação dizendo por que deveriam ganhar a bolsa e como ela poderia mudar a vida deles. Eu leria as redações e escolheria as que tivessem os melhores argumentos. Assim que li pela primeira vez as redações, selecionei duas. Havia mais 4 vagas, pois o representante do curso também me ofereceu uma bolsa. Decidi repassá-la aos alunos, pois não possuía interesse em me matricular no tal curso. Após reler as redações, escolhi mais 3 que estavam razoáveis. Sobrava uma vaga. Dois alunos estavam desejando muito ser selecionados, mas percebi por suas redações que ainda não estavam alfabetizados por completo. Expliquei para a turma que não se deve aprender um outro idioma se não se consegue dominar sua própria língua materna. Todos, sem exceção, concordaram com minhas palavras. Um desses dois alunos tinha uma atitude em sala de aula que destoava dos demais: estava sempre pronto a ajudar, solícito, responsável, sempre buscando a ordem, mas sem autoritarismo. Isso me fez dar uma chance a ele, mas deixei bem claro para toda a turma que era um voto de confiança e que ele precisaria se dedicar muito, tanto em sala de aula quanto no curso, caso ele se matriculasse. Olhei para o outro e vi lágrimas em seus olhos. Resignado, concordando com o fato de não estar alfabetizado, mas chorando. Fui sincera e disse que não estava à vontade escolhendo os "selecionados", pedi com muita delicadeza, como estava fazendo desde o início, que não ficassem com raiva de mim. Chorei. Muito. Muitos alunos também choraram. Para minha surpresa, o aluno que selecionei lembrou de um detalhe que o representante do curso de inglês tinha dito e todos havíamos esquecido: cada bolsa dava direito a um convite, para o aluno chamar quem quisesse e essa pessoa também teria um desconto. E ofereceu seu convite ao colega. Todos aplaudiram, emocionados. Ao relembrar esse momento, ainda me pego com os olhos marejados...
O professor, especialmente da Autonomia Carioca, está sujeito a esses acontecimentos diariamente. E está sujeito a presenciar cenas de compaixão, de desapego, de companheirismo... Mas também cenas de preconceito, agressão verbal, egoísmo, falta de educação... De tudo um pouco. Mas os que ficam são os momentos de prazer e alegria em sala de aula. Inesquecíveis.